Universidade Federal de Alagoas - UFAL
Faculdade de Letras - FALE
Estágio supervisionado IV__ língua portuguesa e literatura
Professora: Maria Rosângela Oliveira Cruz Pimenta
Estudante: Melquezedeque Farias Rosa
Relatório
Maceió, 28 de Novembro de 2011.
Minha experiência de estágio ocorreu no turno noturno da Escola Estadual Onélia Campelo, localizada no bairro Santos Dumont, na cidade de Maceió sob orientação da professora Maria Rosângela Oliveira Cruz Pimenta. A Onélia é uma escola de bom porte estrutural, primeiro andar, salas espaçosas, sala de vídeo e sala informática, embora apresente sinais de deterioração, infiltração, de obra mal feita ou por fazer aqui e acolá. A escola apresenta o humor típico da periferia; num olhar ela passa a imagem de sombra, de tristeza, de descuido, noutro olhar de abrigo, de alegria, de cuidado. A frente do Onélia com sua árvore que serve de quebra-luz e também guardiã, é uma síntese da imagem passada pela escola: uma metáfora verde e viva do todo envolvente; um verde vivo apesar de amarelado. No refeitório é servido merenda de boa qualidade todos os dias sempre antes das aulas começarem para que alunos que trabalhem durante o dia façam sua refeição lá mesmo na escola__ pelo menos foi assim enquanto estive lá estagiando.
A turma na qual estagiei foi a do nono ano noturno, com 37 alunos e fluxo diário de 29 em média. Era uma turma mista envolvendo pessoas cuja faixa etária ia de 18 anos acima, alguns inclusive aparentando 40 ou 50 anos; a maioria mulheres. Animados entre eles, desconfiados de mim. O olhar deles denunciava coisas que eu compreendia sem entender, ou pelo menos me iludia assim. As marcas do rosto de alguns pareciam traduzidas em meu coração. E eu imaginava isso só porque queria enxergá-los. Grande parte de minhas imaginações talvez não tenham passado de delírios ou devaneios. Alguns pareciam infelizes, cansados ou aborrecidos, outros o oposto ou sei lá.
A proposta inicial era para que eu observasse um conjunto de aulas e em seguida preparasse outro conjunto de aulas para regência. Seriam dois momentos, portanto. No final, a experiência vivida em ambos os momentos seriam registrada no relatório. No entanto, tive de considerar um ponto importante: minha experiência de dez anos em sala de aula de ensino médio. Pressuponhamos a artificialidade que seria eu na condição de mero observador em sala de aula como se eu fosse neófito em questão de ensino. Isso seria um tanto falso e desnecessário. Mas como devia ser meu estágio? Que rumo tomar? Como articular minha experiência com a proposta de estágio orientada pela professora na academia? Fiquei quieto e sem resposta nesses instantes. Esperei.
Mas as questões não paravam de me inquietar. Tomei uma decisão: me deixar levar pela curso que o estágio seguir.
O primeiro passo que tomei em minha experiência de estágio foi inicialmente ignorar toda discussão teórica apriorística. Busquei o impossível: tirar todas as roupas teóricas que me revestiam. Pretendi entrar desnudo. Não consegui. O passado é um encosto encarnado em nós. Mesmo assim teimei em minha ingenuidade, sacrificando até mesmo minha própria concepção marxiana de mundo. Entrei como mero observador e fiquei duas aulas nessa condição tão simples.
Nessas duas aulas, que se deram nos dias 27 e 28 de outubro de 2011, o professor observado, ou reveladamente, o professor Gilvan Maurício, que aqui tem nome, sobrenome, cor e origem e etc., estava terminando um trabalho que me chamou bastante atenção pela intenção mais do que pela desenvoltura dos participantes. Entendendo aqui participantes como o próprio professor Gilvan e seus alunos. Ele havia pedido que os alunos em grupo preparassem reportagens que seriam oralizadas em sala de aula a partir de textos informativos (textos midiáticos, textos de notícias, ou mesmo de vídeos da internet ou reportagens de telejornais ou documentários). A oralização das notícias seguiria o curso de cinco perguntas básicas: O quê? Quando? Onde? Como? Por quê?
Cada grupo preparou sua apresentação, mas todos os grupos tinham que elaborar um relatório de todas as reportagens feitas pelos demais grupos. Essa atividade valeria como avaliação considerando a soma da apresentação com a da observação e relatório. Também seria consideradas a atenção e participação de cada um para com a atividade.
Essa atividade valeria como uma fração de nota a ser somada à nota bimestral de Língua Portuguesa. Eu acompanhei observando os detalhes mais relevantes a serem observados dessa atividade. Percebi acontecimentos típicos de uma sala de aula e outros bastante atípicos. E foram os atípicos que me interessaram mais. Os típicos já me causam enfado. Afinal, já tenho dez anos de sala de aula. Por isso vou dar ênfase ao que vi de novo, ao que aprendi de novo, ao que me surpreendeu de novo.
No início havia grande motivação por parte de uns e de preocupação por parte de outros. E, não raro, motivação e preocupação estavam presentes nos mesmos. Houve uma menina que pediu para apresentar três notícias e não apenas uma como estava predeterminado pelas regras, o professor permitiu duas, mas ela fez tão bem o trabalho de oralização das reportagens que o professor lhe pediu para fizesse a terceira; ela toda orgulhosa assim o fez. O mais curioso é que ela apresentou três notícias bem diferentes: 1) um drama: a enchente da cidade de Branquinha; 2) uma notícia do casamento do professor Gilvan Maurício com a uma professora (detalhe esse casamento não houve, e foi tudo muito engraçado); 3) a notícia da minha presença como estagiário em sala de aula. A menina foi bastante criativa, e sua apresentação abriu caminho para a descontração.
Mais tarde, eu perguntei à menina, que tem 23 anos, porque ela quis tanto apresentar mais de uma reportagem. A resposta: “Eu sonho em ser repórter, mostrar as coisas do mundo, viajar, conhecer tudo e me divertir”. Perguntei a ela sobre as notícias tristes que ela teria que dar como repórter, resposta: “as coisas tristes eu vou denunciar, como acontece na televisão”. Sem querer me ater aos limites de sua resposta, mas apenas à questão do sonho, do desejo pessoal humano de ocupar espaços melhores na vida, posso dizer que aquela menina me comoveu. Primeiro por uma coincidência, quando eu tinha 23 anos, eu também estava na mesma série que ela, no mesmo grau de escolaridade e em condições de vida similares à dela. Eu não queria ser jornalista, mas eu queria ser escritor, de certo grau outra coincidência reservada às devidas proporções. Eu ainda não sou escritor, considerando que não tenho nenhum texto publicado, mas já tenho meus trabalhos prontos: um romance, contos, poesia, crônicas, alguns artigos em diversas áreas (educação, lingüística, literatura) sem contar minhas anotações de gaveta que não sei o que vou fazer com elas. Aquela menina, aquela menina... me fez relembrar eu por mim. E me deixou lembrando dela por ela.
A atividade desenvolvida, reservadas as devidas proporções, condiz com o que Marcuschi (2001) propõe e denomina de atividades de retextualização ou passagem de uma para outra modalidade de uso da língua decorrendo também na passagem de um para outro gênero textual. Marcuschi (2001) argumenta que as diferenças entre fala e escrita “não são polares e sim graduais e contínuas. São duas alternativas de atualização da língua nas atividades sócio-interativas diárias” (2001, p. 46). A relação da atividade desenvolvida com a proposta de Marcuschi (2001) perde elo devido ás perguntas básicas que orientam a oralização das notícias: O quê? Quando? Onde? Como? Por quê? Tais Perguntas nos remetem a Teoria da Comunicação, e, conseqüentemente, à compreensão da língua enquanto código ou instrumento de comunicação, fato que se afasta da perspectiva de Marcuschi (2001).
Ao término do segundo dia de estágio, me bateu uma inquietação que já vinha se desenrolando desde os primeiros momentos da primeira observação. Eu queria viver o processo em andamento. Queria sair da condição de mero observador, de tão simples condição. E agora eu já tinha resposta para as três perguntas feitas no terceiro parágrafo desse relatório (Como o meu estágio devia ser? Que rumo que ele devia tomar? Como articular minha experiência de dez anos em sala de aula com a proposta de estágio orientada pela professora na academia?). E resposta: reunir o momento de observação e regência em um único momento. Afinal, A sala de aula não é uma porção de carne morta esperando ser dissecada por um par de olhos observadores e apáticos
Reunindo observação e regência num único momento eu participo do processo de aula em andamento de forma viva. Pois bem, então apresentei uma proposta ao professor Gilvan Maurício. Para que eu e ele juntos fizéssemos parte integrante do processo. Quebraríamos a dicotomia observador X observado, estagiário X professor; quebraríamos se pudéssemos até algumas costelas da oposição professor X aluno, desimpactaríamos tal relação de poder em certa dose. O professor Gilvan Maurício confiou na proposta, e passamos a discutir e planejar o que faríamos para turma. Eu daria aula e ele daria aula, eu observaria e ele observaria. E assim se sucedeu. Éramos regentes e observadores e trocávamos idéias ao final de cada aula e já (re)configurávamos os próximos passos, já apontávamos as próximas aulas.
O professor Gilvan Maurício e eu estabelecemos que fossem quatro aulas trabalhadas envolvendo língua e literatura. O tema dessas quatro aulas seria: A poesia crítica de Gregório de Matos e os elementos de pontuação enquanto recursos de construção de sentido. Nossa pretensão era mostrar a atualidade dos temas tratados por Gregório de Matos e mostrar também como os sinais de pontuação contribuem para a construção de sentidos em alguns de seus poemas. Feito que conseguimos atingir com relativo sucesso.
Depois de encerradas as atividades das duas aulas iniciais, isto é, no terceiro dia de estágio, no dia 04 de novembro de 2011, nós começamos nosso trabalho juntos. O Professor Gilvan começou um diálogo prévio com os estudantes sobre música, poesia e textos-canções conhecidos com o propósito de despertar o interesse e os conhecimentos prévios dos alunos. Eu fiquei observando. No começo houve certo desinteresse, principalmente enquanto o professor tentava falar de poesia visto que eles pareciam não perceber a relação dela com a música. Depois a relação foi ficando mais clara e eles até trouxeram de lembrança outros exemplos de música e poesia. O diálogo foi ficando acalorado, chegando momentos em que se descontrolava com falas cruzadas e paralelas, e isso tumultuou um tanto. Passado esse momento de diálogo, eu estreei na regência com uma exposição breve e prévia sobre a poética de Gregório de Matos e os textos-canções da banda Legião Urbana. Em seguida, falei um pouco sobre algumas pinturas do cândido Portinari. E só nesse momento alguém quebrou o silencia e perguntou a razão de quadros tão tristes. Respondi que o pintor se interessava pelos grupos sociais marginalizados na sociedade, queria trazê-los à cena da arte como fazem alguns músicos e poetas em seus trabalhos. O professor Gilvan, distribuiu o texto-canção: Que país é este? Da banda Legião Urbana para ser lida em silêncio. Depois, esse texto-canção foi lido em voz alta por três alunos, cada qual um trecho e tocado no gravador. Travou-se novo diálogo com os estudantes sobre o que o texto-canção tratava. Desse diálogo fizemos parte o professor Gilvan e eu. Distribuímos a seguir o poema: “Descrevo que era realmente naquele tempo a cidade da Bahia” de Gregório de Matos, e seguimos o mesmo itinerário de leitura e discussão do texto-canção.
Terminada toda a leitura e discussão pedimos para que em dupla os estudantes estabelecessem por escrito, sob nossa orientação, uma relação temático-discursiva entre o texto-canção e o poema. Finda a atividade, findo o terceiro dia de estágio.
No dia, 05 de novembro 2011, quarto dia de estágio, eu comecei apresentando a tela: “O Morro” de Cândido Portinari e pedi interferência dos estudantes sobre o que ela trata. Timidamente eles foram arriscando opiniões aqui outra ali, algumas engraçadas, outras graves. Pensei que eu ia ter que explicar bastante de Portinari pra eles, mas eles mesmos foram encontrando caminhos, acabei envolvendo o professor Gilvan que também foi se arriscando em comentários. Até que uma aluna me perguntou: E você professor? Eu o quê? Perguntei de volta. Você deve saber bastante sobre esse quadro. Pra ser sincero sei muito pouco sobre esse quadro. Todos riram com minha declaração. Então eu disse: “talvez a arte não precise dizer, sussurrar já é o bastante”. Eles não entenderam. Então continuei: “a arte é pra você usar a imaginação também e não esperar que ela te diga; é preciso criar imagem daquilo que ela mostra”. Então reiterei: usem a imaginação, o que ela mostra? A partir daí a discussão, embora mais complexa, às vezes até confusa, ficou mais problemática e intrigante. Cada qual queria usar seu chutômetro, novamente ficamos entre a graça e a gravidade. Esgotado esse momento o professor Gilvan pediu para eles escreverem uma relação temático-discursiva entre a tela sendo mostrada nessa aula, o texto-canção e o poema do dia de aula anterior. Dessa vez nossas orientações exigiram um pouco mais deles. Eles podiam fazer isso aproveitando a produção anterior, como se fosse uma refacção. Finda a atividade, findo o quarto dia de estágio.
No dia 11 de novembro de 2011, quinto dia de estágio, o professor Gilvan e eu dividimos a turma em duas partes, dois grupos, dois círculos. Ficamos cada um responsável por uma dessas partes. O plano era que ele e eu chamássemos a atenção dos estudantes para a estruturação dos textos produzidos por eles apontando o papel dos sinais de pontuação utilizados na construção do sentido. À medida que ocorria em forma de oficinas a refacção e a revisão conjuntas das produções, se desenvolviam noções sintáticas, semânticas e discursivas dos usos e funções da pontuação. Confesso que essa atividade nos deu muito cansaço por vários motivos imprevistos: satura dos alunos com o próprio texto, uso intuitivo dos sinais de pontuação, ausência de sinais presença sobrecarregada deles, etc. Houve também motivos previsíveis: indisposição, apatia pela atividade, preocupação com ganhar pontos etc. Houve momento até torturante para mim e para o professor Gilvan. Mas, sobrevivemos, e nos gratificamos com textos relativamente bons produzidos e reproduzidos pelos estudantes sob nossas orientações. Antes de encerrarmos essa aula, promovemos a leitura em voz alta em três textos de cada grupo.
No dia 12 de novembro de 2011, sexto dia de estágio, retornamos para a aula o texto-canção “Que país é este? da banda Legião Urbana e a poesia “Descrevo que era realmente naquele tempo a cidade da Bahia” de Gregório de Matos, e chamamos a atenção dos estudantes para o papel dos sinais de pontuação na construção do sentido que perpassa o discurso. Fizemos uma longa exposição para atingir tal objetivo, ora o Gilvan, ora eu falava. E no final percebemos algumas falhas nossas, segundo nossa interpretação: primeiro, não precisávamos ter feito essa longa exposição, bastava continuar nosso trabalho com os texto escolhidos por nós, segundo poderíamos pelo menos ter utilizado textos diferentes e não os mesmo das atividades anteriores. Por causa dessas duas falhas, essa aula foi massificante e o resultado não foi satisfatório. A apatia saiu estampada e traduzida no rosto de boa parte dos alunos ao final desse sexto dia de estágio. Isso nos levou ao reencaminhamento das atividades nos moldes das anteriores.
No dia 18 de novembro de 2011, sétimo dia de estágio, apresentamos aos estudantes outros poemas de Gregório de Matos: “Senhora Dona Bahia”, “Anjo Bento”, “Buscando a cristo”. Essas apresentações foram feitas no auditório em forma de slides. A cada poema que mostrávamos, dávamos um tempo para leitura e perguntávamos sobre o que tratava o poema. Intercaladamente às participações dos estudantes, o professor Gilvan e eu incluíamos informações sobre a poesia de Gregório de Matos. Após passarmos assim pelos três poemas, pedimos para que os estudantes apontassem pontos de distinção e semelhança temático-discursivas entre os três poemas. Em seguida pedimos para que eles mostrassem de que maneira o uso da pontuação presente nos poemas contribuíram com a construção do sentido. Pedimos então para que a partir do que foi discutido e exposto eles escrevessem sobre duas questões: 1) sobre a poesia de Gregório de Matos quanto aos temas por ela abordada; 2) sobre a contribuição do uso da pontuação na construção dos sentidos possíveis dos poemas. Recolhemos as produções, dividimos em duas partes, uma para mim outra para o professor Gilvan analisar em casa para o dia seguinte, que seria o último de nossas atividades.
No dia 19 de novembro, sétimo dia e último de estágio de estágio, levamos dois pequenos textos: uma sobre a poesia de Gregório de Matos e outro sobre as regras sintáticas de pontuação. Eu fiz uma breve exposição de fechamento dobre a poesia de Gregório de Matos, enfatizando os três temas centrais e de cunho crítico-moral tratados pelo poeta: o tema social e político, o tema erótico ou amoroso e o tema religioso. O professor Gilvan fez uma breve exposição sobre as regras sintáticas de uso da pontuação mostrando seus limites e explicando que pontuação também é um recurso de semântico, tem a ver com construção de sentido. Lembrou ele de vários exemplos por nós trabalhados. Por fim, distribuímos uma avaliação em que pedia para que os alunos produzissem individualmente um texto relembrando o que ele pudesse sobre nossas aulas. O critério da avaliação seria: a) demonstrar conhecimento sobre a poesia de Gregório de Matos; b) demonstra compreensão da relação ou diálogo entre poesia e música; c) demonstrar conhecimento sobre o uso da pontuação. A correção da avaliação ficou por conta do professor Gilvan assim como seu peso em termos de pontos aferidos por ela.
Escrevi o texto num corpo só, sem particionar em introdução, blá-blá-blá e considerações finais, escrevi como quem pretende dizer tudo num escarrada única, como quem quisesse transformar os próprios sentimentos em imagens gráficas. Podia eu seguir todas as normas como sei fazer e bem. Entediado. Estou entediado. Estou sim. Estou. Sim. Nada mais a academia têm a me oferecer em nível de graduação. Já consigo ver o que não devo. Já consigo saborear o que me aflige. Passou.
